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GEM (Grand Egyptian Museum): o que esperar desse museu?

  • Foto do escritor: gleniosabbad
    gleniosabbad
  • 30 de set.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 1 de out.

Por Glênio S Guedes ( advogado )

¨He who does not know his Past cannot make the best of his Present and Future, for it is from the Past that we learn."

Sheikh Zayed bin Sultan Al Nahyan


O Museu como Texto Semiótico


O Grand Egyptian Museum (GEM), situado junto à Necrópole de Gizé, não é apenas o maior museu arqueológico do mundo: deve ser lido como um texto cultural, um sistema de signos que articula memória, identidade e poder. Cada sala, vitrine e peça é um enunciado que se dirige ao visitante não apenas para informar, mas para persuadir, emocionar e envolver.

Com mais de 480 mil metros quadrados e projetado pelos arquitetos Róisín Heneghan e Shih-Fu Peng, o GEM reúne cerca de 100 mil objetos, incluindo as mais de 5.000 peças do tesouro de Tutancâmon, muitas delas nunca antes exibidas ao público. Sua monumentalidade arquitetônica dialoga com as pirâmides de Gizé, reforçando uma narrativa que conecta passado e futuro, tradição e modernidade.


Os Objetos como Signos: Dimensão Semafórica


Segundo a teoria do objeto e a semiótica visual, todo artefato museológico pode operar como ícone, índice e símbolo:


  • Ícone: pela semelhança (a máscara de Tutancâmon como representação de um rosto humano divinizado).

  • Índice: pela conexão material com a história (o barco solar de Quéops como vestígio concreto de ritos funerários).

  • Símbolo: pela carga cultural (Tutancâmon como emblema universal do Egito).


Assim, os objetos do GEM não são apenas relíquias: são sinais que reafirmam a identidade egípcia, representando uma civilização milenar e, ao mesmo tempo, moderna.


Do Hieróglifo ao Holograma


Os hieróglifos condensavam imagens, sons e conceitos em um sistema gráfico complexo. O GEM atualiza essa lógica ancestral ao recorrer a tecnologias imersivas:


  • realidade aumentada, que recria templos e rituais;

  • projeções holográficas, que devolvem o esplendor de esculturas e papiros;

  • reconstituições digitais em 3D, que permitem explorar a tumba de Tutancâmon sem danificar o sítio original.


O museu torna-se, assim, um novo hieróglifo expandido, em que a tecnologia amplia a materialidade e abre ao visitante múltiplos níveis de interpretação.


O Museu entre Templo e Fórum


A museologia contemporânea reconhece o museu como espaço híbrido: templo (lugar de reverência) e fórum (lugar de debate).

O GEM encarna essa dualidade:


  • Como templo, monumentaliza a herança faraônica, quase emulando a aura sagrada das pirâmides.

  • Como fórum, abre-se ao turismo global, à educação intercultural e à diplomacia cultural.


Além disso, o GEM corrige parte da história: enquanto muitos tesouros egípcios permanecem no Louvre ou no British Museum, este espaço representa um ato de reapropriação patrimonial, devolvendo ao Egito a centralidade de sua própria narrativa.


Retórica Visual: o Discurso do GEM


Se toda retórica é arte de persuadir, o GEM utiliza imagens e objetos como argumentos visuais.


  • A estátua colossal de Ramsés II na entrada funciona como um exórdio visual: um início grandioso que predispõe o visitante a crer na narrativa de que o Egito é uma civilização imortal.

  • O percurso expositivo, que vai da pré-história ao período greco-romano, pode ser lido como uma dispositio clássica:


    • Exórdio – acolhida monumental no átrio;

    • Narração – a história cronológica da civilização egípcia;

    • Provas – os tesouros de Tutancâmon e outros achados arqueológicos, que funcionam como demonstrações materiais (pisteis);

    • Peroração – a projeção do Egito moderno como herdeiro legítimo dessa tradição.


A retórica visual do GEM opera, assim, com os três pilares aristotélicos:


  • Ethos – credibilidade afirmada pela monumentalidade e pela ordem expositiva.

  • Pathos – emoção despertada por máscaras funerárias, sarcófagos e recursos tecnológicos imersivos.

  • Logos – racionalidade da narrativa cronológica, que guia o visitante por um raciocínio visual coerente.


O museu é, nesse sentido, um orador silencioso, cujo discurso é feito de formas, cores, luzes e sombras.


O Museu como Diagrama Cultural


A semiótica visual ensina que diagramas são ícones especiais, capazes de mostrar relações invisíveis. O percurso narrativo do GEM é um diagrama cultural: um mapa visual que substitui a linearidade verbal pela simultaneidade das imagens.

O visitante não apenas lê legendas: ele vive uma argumentação visual, em que cada galeria é um parágrafo e cada objeto, uma frase.


Considerações Finais


O Grand Egyptian Museum é mais do que um espaço expositivo: é um monumento semiótico, retórico e patrimonial. Ele organiza signos, imagens e narrativas de modo a persuadir, emocionar e educar. Ao mesmo tempo, reposiciona o Egito como protagonista de sua história, sem depender de museus estrangeiros.

O GEM não apenas mostra o passado: faz crer nele. Sua força está em ser, ao mesmo tempo, ícone da tradição faraônica, índice da continuidade histórica e símbolo de um Egito moderno que se projeta para o futuro.


Referências


  • Shawati’ Magazine, Abu Dhabi, edições 2024-2025.

  • NÖTH, Winfried. Semiótica Visual. Tríade, Sorocaba, SP, v. 1, n. 1, p. 13-40, 2013.

  • SILVEIRA, Andréa Reis da. Introdução à Museologia. Indaial: UNIASSELVI, 2021.

  • ROSA, Alahna S. da; JAEGER, Julia M.; PIRES, Kimberly T. A. História dos Museus e das Coleções. Indaial: UNIASSELVI, 2021.

  • BARTHES, Roland. Retórica da Imagem. In: O Óbvio e o Obtuso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

  • FLOCH, Jean-Marie. Identités visuelles. Paris: Presses Universitaires de France, 1995.

  • SUANO, Marlene. O que é museu?. São Paulo: Brasiliense, 1986.

 
 
 

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