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Do The Meaning of Meaning ao The Philosophy of Rhetoric: I. A. Richards Ainda nos É Relevante?

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    gleniosabbad
  • 30 de set.
  • 6 min de leitura

Da Superstição do Significado Próprio à Onipresença da Metáfora: Trajetória de Richards e o Resgate Ético-Cognitivo da Retórica.


Por Glênio S Guedes (advogado)


Rhetoric […] should be a study of misunderstanding and its remedies.” (I. A. Richards, The Philosophy of Rhetoric, reprint 1971, p. 3)


Resumo


Este artigo propõe uma análise da continuidade e do aprofundamento entre The Meaning of Meaning (1923), de Ogden & Richards, e The Philosophy of Rhetoric (1936), de I. A. Richards. Discuto o triângulo semiótico (símbolo–pensamento/referência–referente), a “Superstição do Significado Próprio”, a noção de interanimação (Interinanimation of Words, também grafado Interanimation), a metáfora como princípio onipresente (par tenor/vehicle) e a eficácia delegada (delegated efficacy), relacionando esses conceitos com práticas argumentativas no Direito brasileiro e colombiano — e, agora, também com metáforas recorrentes na common law dos EUA. Sustento que, sob a lente de Richards, a retórica deixa de ser mero artifício persuasivo para se tornar um método de diagnóstico e remédio de mal-entendidos, com utilidade concreta em hermenêutica jurídica, fundamentação e controle de vieses argumentativos. Concluo que o método de Richards, focado na análise da linguagem em contexto, segue sendo instrumental indispensável para a ética e a clareza comunicativa.


English


This article examines the continuity between Ogden & Richards’ The Meaning of Meaning (1923) and I. A. Richards’ The Philosophy of Rhetoric (1936). It addresses the semiotic triangle, the “Proper Meaning Superstition,” the interinanimation of words, metaphor (tenor/vehicle), and delegated efficacy, relating them to legal argument and adjudication in Brazil and Colombia — and, now, to metaphorical patterns in U.S. common law. I argue that Richards redefines rhetoric as a method for diagnosing and remedying misunderstanding, which is directly applicable to legal hermeneutics and judicial reasoning. The conclusion is that Richards’ context-sensitive approach remains an indispensable set of tools for ethical and communicative clarity.



Palavras-ChaveI. A. Richards; Retórica; Semântica; Metáfora; Mal-entendido; Linguística Textual; Semiótica Jurídica; Epistemologia do Direito; Proper Meaning Superstition; Interinanimation of Words; Tenor/Vehicle; Delegated Efficacy; Mary Flexner Lectures; Hermenêutica Jurídica.


1.      De 1923 a 1936: um mesmo problema, mais fundo


A trilha que liga The Meaning of Meaning (com Ogden) a The Philosophy of Rhetoric (solo) é contínua: desde o início, Richards combate o literalismo ingênuo. O triângulo semiótico mostra que a relação símbolo–referente é mediada por um pensamento/referência: cortar o vértice mental é supor um “significado próprio” fixo, indiferente a contexto — a superstição que ele denuncia. Em 1936, Richards leva essa crítica ao campo da retórica, redefinindo-a como estudo do mal-entendido e de seus remédios: mapear onde o sentido falha e como consertar, e não “vencer” o outro a qualquer custo.


2.      A “Superstição do Significado Próprio” e seus efeitos práticos


Chamar de “propriamente aquilo” o que depende de contexto é um atalho perigoso. No Direito, a tentação aparece quando se lê um enunciado legal como se fosse autossuficiente, sem cotejo com fatos, sistema e finalidades. A superstição alimenta o que Richards chamaria de “falsa transparência”: a crença de que basta apontar a palavra para que o mundo se curve ao dicionário. Contra isso, a medicina richardiana recomenda expor os fios contextuais (gênero textual, finalidade, pressupostos) e explicitar por que uma leitura, e não outra, é a que melhor resolve o problema prático.


3.      Interanimação das palavras (Interinanimation of Words)


Palavras não viajam sozinhas: interanimam-se. O sentido de cada termo é recalibrado pelas companhias que mantém na frase, no parágrafo, no gênero. Traduzindo isso para a prática jurídica, “responsável”, “adequado”, “razoável” significam coisas distintas num voto, num despacho, numa notícia ou numa ementa. Tomar a palavra isolada é confundir o signo com a engrenagem textual que o faz funcionar. O ganho epistêmico vem de mostrar ao leitor como as outras peças da linguagem “delegam” eficácia a esse termo — eis a delegated efficacy.


4.      Metáfora como princípio (tenor/vehicle)


No capítulo “Metaphor”, Richards descreve a metáfora como princípio onipresente da linguagem. Em vez de tropos decorativos, metáforas orientam inferências: cada vehicle (imagem) reorganiza o tenor (ideia), sugerindo propriedades e apagando outras. Mudar de metáfora é mudar de mapa cognitivo. Por isso, a pergunta prática não é “há metáfora?”, mas “qual metáfora estamos usando — e que efeitos ela introduz?”.


5.      Minimapa para operadores do Direito (Brasil, Colômbia, EUA)


(a)   Brasil – metáforas correntes em decisões e doutrina

Balança/ponderação: imagem que estrutura testes de proporcionalidade/razoabilidade, recorrente no STF quando há colisão de princípios.

Moldura (Kelsen): “moldura normativa” como horizonte de possibilidades interpretativas; serve para conter voluntarismos interpretativos e exigir justificativas.

Mercado de ideias: expressão frequente nos debates sobre liberdade de expressão (v.g., discussão da ADPF 130/DF e seus desdobramentos).

Frutos da árvore envenenada: metáfora consolidada no processo penal para exclusão por derivação.

(b)  Colômbia – metáforas estruturantes na Corte Constitucional

Bloque de constitucionalidad: o “bloco” integra normas/princípios com valor constitucional e funciona como parâmetro de controle.

Constitución viviente / derecho viviente: a “vida” da Constituição legitima atualização interpretativa conforme mudanças sociais.

Margen de apreciación: metáfora espacial do “margen” que delimita a discricionariedade estatal sob controle de constitucionalidade e convencionalidade.

(c)   Common law dos EUA – metáforas paradigmáticas na Suprema Corte

Marketplace of ideas / mercado de ideias: a competição aberta no foro público como justificativa de arranjos regulatórios na mídia (Red Lion Broadcasting Co. v. FCC, 395 U.S. 367 (1969)).

Wall of separation / muro de separação: imagem jeffersoniana incorporada à leitura da Establishment Clause (Everson v. Board of Education, 330 U.S. 1 (1947)).

Penumbras & emanations / penumbras e emanações: “zonas” de proteção derivadas de garantias expressas (Griswold v. Connecticut, 381 U.S. 479, 484–485 (1965)).

Chilling effect / efeito inibidor: risco de arrefecimento do exercício de liberdades pelo temor de sanção, fundamento para abstenção e controle (Dombrowski v. Pfister, 380 U.S. 479, 487 (1965)).

Fruit of the poisonous tree / frutos da árvore envenenada: exclusão por derivação (raízes em Silverthorne Lumber Co. v. United States, 251 U.S. 385 (1920); desenvolvimento em Nardone v. United States, 308 U.S. 338 (1939)).

Stream of commerce / fluxo (corrente) do comércio: metáfora para circulação de produtos em debates de jurisdição pessoal (Asahi Metal Industry Co. v. Superior Court, 480 U.S. 102 (1987)).


Protocolo prático para evitar a “Superstição do Significado Próprio” (inspirado em Richards)


1.      Identifique a metáfora operante: qual é o vehicle (balança, bloco, moldura, árvore, mercado, parede, corrente) e qual é o tenor (o conceito jurídico em exame)?

2.      Liste implicações: que inferências o vehicle sugere (equilíbrio, rigidez, contorno, contaminação, competição, separação, fluxo) e quais podem distorcer o caso?

3.      Considere vehicles alternativos: outra imagem produz menos viés e melhor aderência ao sistema e aos fatos?

4.      Teste com critérios epistemológicos: (i) consistência sistêmica; (ii) capacidade explicativa; (iii) previsibilidade de efeitos práticos; (iv) respeito a precedentes.

5.      Redija explicitando o contexto: mostre por que o sentido escolhido é o melhor naquele conjunto de fatos (e não uma leitura “automática” das palavras).

 

6.      O lugar de Richards na hermenêutica jurídica


Primeiramente, a crítica à Superstição do Significado Próprio é um antídoto contra literalismos e contra o fetiche do “texto que fala sozinho”: interpretações são justificáveis por sua capacidade de resolver o caso à luz do ordenamento jurídico como um todo, não pelo isolamento sintático.

Em segundo lugar, a análise da metáfora (tenor/vehicle) é crucial para vigiar vieses cognitivos importados por imagens poderosas (“balança”, “bloco”, “moldura”, “árvore envenenada”), impedindo que a figura obscureça o princípio.O valor de Richards para o Direito está em transformar a retórica de “técnica de persuasão” em método de clareza: um procedimento de exposição de pressupostos, de teste de leituras e de escolha justificada — auditável — entre alternativas interpretativas.


7.      Conclusão: Richards na pós-verdade


I. A. Richards não é um pensador do passado, mas um parceiro para tempos de ruído: algoritmos, redes e desinformação multiplicam mal-entendidos. A retórica, entendida como ciência dos remédios do equívoco interpretativo ou do mal-entendido, oferece um kit de ferramentas para restaurar o debate público e a decisão jurídica responsável. O triângulo semiótico, a interanimação das palavras, a metáfora como princípio e a noção de eficácia delegada compõem um método que favorece transparência argumentativa, responsabilidade epistêmica e justiça prática. É nesse sentido que Richards permanece atual: onde há linguagem, há risco de mal-entendido; onde há método, há chance de cura.


Bibliografia


OGDEN, C. K.; RICHARDS, I. A. The Meaning of Meaning. London: Kegan Paul, 1923.

RICHARDS, I. A. The Philosophy of Rhetoric. Reprint ed. New York: Oxford University Press, 1971.

RICHARDS, I. A. Practical Criticism: A Study of Literary Judgment. New York: Harcourt, Brace & Company, 1929.

LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Metaphors We Live By. Chicago: University of Chicago Press, 1980.

 
 
 

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