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Como Serão (ou Deveriam Ser) os Livros de Direito com a IA?

  • Foto do escritor: gleniosabbad
    gleniosabbad
  • 8 de out.
  • 3 min de leitura

Por Glênio S. Guedes

“Escrever bem pressupõe pensar bem.” — Antônio Carlos Pereira“O livro é tanto objeto quanto processo.” — Rodrigo Tavares

Li dois artigos que se complementam como espelhos. O primeiro, “Escrever simples, dever republicano”, de Nicolau da Rocha Cavalcanti. O segundo, “Como serão os livros do futuro com o avanço da inteligência artificial”, de Rodrigo Tavares.Depois de lê-los, pensei: e o livro jurídico, nessa nova era, o que será dele?

Se o texto de Cavalcanti é um chamado à lucidez e à concisão, o de Tavares é uma convocação para repensar a autoria diante das máquinas.Ambos anunciam o mesmo ponto de virada: a escrita jurídica precisa voltar a pensar.


1. O fim do texto jurídico como monumento


A inteligência artificial chega ao Direito quando este já padece de um mal antigo: a prolixidade. Como lembra Cavalcanti, “tratar o Direito com rigor técnico não significa escrever enrolado”. O excesso de palavras tornou-se, em muitos casos, o disfarce da falta de ideias.

Nesse novo cenário, o jurista não será julgado pela extensão de suas páginas, mas pela densidade lógica de seus argumentos. A IA pode classificar, combinar e ordenar; mas a coerência — a relação racional entre premissas e conclusões — ainda é tarefa humana. O livro jurídico do futuro não será um amontoado de citações, mas um exercício de clareza e síntese.


2. O livro jurídico como processo dialógico


Tavares observa que o livro é tanto objeto quanto processo. A IA apenas tornará isso explícito: o leitor deixará de ser passivo e passará a dialogar com o texto, interrogando, pedindo exemplos, comparando doutrina. O livro jurídico se transformará numa aula viva, em que autor e leitor compartilham o mesmo espaço de raciocínio.

Nesse contexto, o autor deixa de ser um reprodutor de fórmulas para se tornar um curador hermenêutico — alguém que garante o sentido e a integridade de um raciocínio jurídico mediado por algoritmos.


3. A lógica como selo de autenticidade


O livro jurídico do futuro — sobretudo em suas modalidades híbrida ou artesanal — exigirá de seu autor não apenas domínio técnico, mas capacidade lógica e argumentativa. Se a IA é capaz de produzir um texto formalmente correto, cabe ao jurista demonstrar por que suas conclusões são verdadeiras, plausíveis ou justas.


A Teoria da Argumentação lembra que argumentar é mais do que persuadir: é justificar racionalmente. Como ensina Perelman, o valor de um discurso está na sua força de adesão, e essa força nasce da coerência entre os dados, a regra e a conclusão. O jurista do futuro deverá, portanto, agir como um garante epistêmico — alguém que não apenas escreve, mas demonstra o caminho lógico que percorreu.

Seu nome, no frontispício de um livro, funcionará como selo de autenticidade argumentativa, atestando que, por trás da máquina, há uma mente que raciocina, pondera e fundamenta.


4. Escrever simples como ato republicano


Cavalcanti tem razão: escrever claro é dever republicano. No tempo da IA, a clareza não será apenas uma virtude, mas uma forma de resistência. A tecnologia pode democratizar o acesso à informação, mas só a simplicidade pode democratizar a compreensão.

O livro jurídico que se escreve com pompa e obscuridade será o anacronismo do século digital. A verdadeira erudição consistirá em tornar o complexo inteligível, sem empobrecê-lo.


5. Entre o cálculo e o sentido


Três tipos de livros coexistirão: o automatizado (útil, mas superficial), o híbrido (dialogal, interpretativo) e o artesanal (reflexivo, deliberado). A diferença entre eles não estará na tecnologia empregada, mas na força racional que sustenta o argumento.


A máquina calcula; o jurista interpreta. E é nesse intervalo — entre o cálculo e o sentido, entre a lógica e a ética — que o livro jurídico do futuro encontrará sua humanidade.


Referências


CAVALCANTI, Nicolau da Rocha. Escrever simples, dever republicano. O Estado de S. Paulo, 8 out. 2025. Opinião. Disponível em: https://www.estadao.com.br/opiniao/.

TAVARES, Rodrigo. Como serão os livros do futuro com o avanço da inteligência artificial? Folha de S. Paulo, 24 set. 2025. Ilustríssima. Disponível em: https://www.folha.uol.com.br/ilustrissima/.

PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da Argumentação: A Nova Retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

 
 
 

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